ORIENTAÇÃO sobre BULLYING: conhecer, compreender e enfrentar

Heloisa Helena Genovese de Oliveira Garcia 

(psicóloga, mestre e doutora em Psicologia Escolar e 

do Desenvolvimento Humano, psicanalista, assessora educacional)

Este material foi produzido1 com o objetivo de orientação a gestores, equipes pedagógicas e educadores sobre o tema “bullying escolar”. Ele se baseia em três princípios:  

           1) conhecer o fenômeno bullying, evitando o uso indiscriminado e banalizado do termo, é o primeiro passo para um enfrentamento mais eficaz;  

           2) a existência do bullying está diretamente ligada à dimensão cultural e a valores subjacentes às nossas relações sociais; 

           3) prevenir e combater o bullying são tarefas de toda comunidade escolar. 


CONHECENDO O BULLYING 

           1. HISTÓRICO 

O primeiro pesquisador que percebeu o fenômeno bullying foi o professor Dan Olweus e seus estudos realizados na Universidade de Bergan- Noruega (1978 a 1993) obtiveram grande repercussão. Porém, o governo norueguês atentou seu olhar para essa violência institucional apenas após o suicídio de três crianças entre 10 e 14 anos, que provavelmente foi influenciado por atos de maus tratos dos colegas. A partir desse fato, a autoridade norueguesa, pressionada pela população, realizou em escala nacional a Campanha Anti-Bullying nas escolas (1993) 3.  

           2. LEI DE COMBATE AO BULLYING – Lei 13.185/20154  

A Lei 13.185/2015 institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, ou seja, o bullying. Até a homologação dessa lei, não havia no sistema jurídico uma definição concisa sobre a palavra bullying, mas tão somente as discussões entre psicólogos e educadores. Embora não tipifique nenhuma ação específica como crime de “bullying”, a nova Lei, com certeza, é bem vinda e vem agregar ao ambiente educacional o que já se entendia como missão da escola, mas que muitas ainda negligenciavam.  

   1O conteúdo é de autoria da psicóloga e foi inspirado em cartilhas, artigos e textos oficiais específicos de prevenção ao bullying, materiais sobre resolução de conflitos na escola e fundamenta-se em princípios construtivistas      acerca do desenvolvimento moral. Foi produzido em 15 de abril de 2019. 

    3Fonte – Monografia intitulada “Um olhar exploratório sobre a percepção do professor em relação”, de Clarissa Moura Quintanilha (2011, p. 36), disponível em         http://www.ffp.uerj.br/arquivos/dedu/monografias/cmq.2.2011.pdf > acesso em 12 de abril de 2019. 

   4Fonte: http://www.oabsp.org.br/comissoes2010/educacao-digital/cartilhas (acesso em 20/03/ 2019)

  Em sua essência, a Lei conceitua a intimidação sistemática – bullying – como: 

          “art. 1… todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.” 

Sobre os tipos, a Lei refere o seguinte: 

    Art. 3o A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas, como: 

               I – verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;  

               II – moral: difamar, caluniar, disseminar rumores; 

               III – sexual: assediar, induzir e/ou abusar; 

               IV – social: ignorar, isolar e excluir; 

               V – psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar; 

               VI – físico: socar, chutar, bater; 

               VII – material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem; 

              VIII – virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social. 

A Lei também é clara em relação aos objetivos do programa, de forma que não basta apenas uma palestra ou a disseminação de uma cartilha. É preciso instituir um programa, ou seja, um conjunto de ações que envolvem capacitação de docentes e equipes pedagógicas, campanhas de educação, atendimento psicológico, orientação a pais. É preciso disseminar, efetivamente, a conscientização de forma preventiva para os educandos, educadores e pais de alunos. Nesse sentido, vale observar o seguinte artigo: 

   Art. 4o Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1o: 

               I – prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade; 

               II – capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema; 

               III- implementar e disseminar campanhas de educação conscientização e informação; 

               IV – instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;

                   V – dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; 

               VI – integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê lo; 

               VII – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua; 

               VIII – evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil; 

               IX – promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar. 

COMPREENDENDO O BULLYING 

            1. O CICLO DO BULLYING 

 Ele é composto por uma tríade: ALVO + AUTOR + TESTEMUNHAS/PLATEIA 

 OBS: do ponto de vista preventivo e educacional, não se usam mais os termos vítima e agressor: busca-se um olhar mais humanizado, que não reproduza a visão  dualista da sociedade, uma vez que aquele que pratica o bullying também necessita de ajuda, sendo, muitas vezes, vítima diante de outras situações e em outros contextos. 

 É importante ressaltar que vários estudos apontam a existência desse fenômeno em todas as escolas e que, embora exista há muito tempo, ele vem se acentuando nos últimos anos, o que mostra a urgência de enfrentarmos abertamente essa questão.  

 Trata-se de um fenômeno multifatorial de modo que devemos evitar uma abordagem individual, focada somente em aspectos das pessoas diretamente envolvidas, isto é, o bullying também reflete elementos da cultura e das relações sociais, tais como: nossa cultura individualista, competitiva e patriarcal, baseada em relações de poder/força e coação/submissão (que também é reproduzida, muitas vezes, nas relações escolares); o excesso de cobrança e expectativas sobre crianças/adolescentes/filhos; não aceitação de aspectos relacionados à identidade do(a) filho(a) (como questões de gênero). De qualquer modo, há fatores individuais que catalisam a emergência do bullying, como descrito nos próximos itens. 

           2. ALVOS em potencial: 

                    a. Diferem do grupo, do ‘padrão’: tipo físico, religião, modo de falar e se comportar, orientação sexual, etnia, nível social, etc. 

                    b. Em geral – tímidos, inseguros, ficam mais sozinhos/solitários (obs.: como no bullying ocorre uma relação desigual de forças, é importante observar alunos com mais dificuldade de reagir, se posicionar).

                               c. Em geral: meninos sofrem mais bullying verbal (xingar) e físico (bater, chutar) e meninas sofrem mais bullying moral (difamar) e social (isolar, excluir) 

  Sinais: os alvos podem desenvolver medo de ir à escola, apresentar queda no rendimento e isolar-se ainda mais (na escola ou em casa). No caso de cyberbullying, podem parar abruptamente de usar redes sociais ou o oposto, ficar obcecados em acompanhar as postagens. 

   Sintomas: podem apresentar dores de cabeça e enjoo (principalmente antes de irem para a escola), insônia, distúrbios alimentares ou comportamentos de autolesão e ideação suicida. 

      3. AUTORES em potencial 

            a. Em geral – agressivos, intolerantes, dificuldade de aceitar regras. 

                       b. Pouca empatia; acessos de fúria. 

                      c. “Líderes” = apoiam-se num modelo de popularidade/liderança pela força d. ‘Escondem’ a própria insegurança, medos etc., podendo ser ou ter sido vítima de violência em outro âmbito (inclusive de bullying) 

           4. TESTEMUNHAS: 

                      a. Em geral, testemunham as ações, mas não reagem 

                      b. Muitos se sentem culpados por não reagir 

                      c. Tipos: 

                                 i. Passivos: medo de se tornarem a próxima vítima 

                                 ii. Ativos: apoiam os agressores com risadas e incentivos 

                                 iii. Defensores: reagem; protegem a vítima (mais raros) 

                      d. Têm um papel fundamental na prevenção e/ou neutralização do bullying. 

           5. CYBERBULLYING: 

                      a. Pela aparente sensação de anonimato, as agressões tendem a ser maiores e mais violentas. 

                      b. Havendo compartilhamento do conteúdo, a pessoa que o fizer torna-se coautor do bullying. 

                      c. Pela rápida e amplificada disseminação dos conteúdos nos meios digitais, os danos psicológicos e sociais aos alvos são ainda maiores. 

ENFRENTANDO O BULLYING 

A melhor forma de lidar com o bullying é evitar que ele se instale, e, para isso, algumas ações indicadas são: 

 ↪  Desmitificar crenças ou atitudes equivocadas: 

                      – “bullying é coisa comum entre crianças” – devemos evitar a banalização do termo, o que enfraquece e dificulta o enfrentamento adequado do bullying. Há ações violentas que não são bullying, embora também devam ser problematizadas e evitadas. Bullying é uma intimidação sistemática grave e passível de responsabilização criminal. 

                      – “a vítima tem que enfrentar o autor e reagir” – é justamente pela dificuldade de reagir e pela fragilidade da criança/alvo que o bullying se instala.

                      – “a melhor forma de acabar com o bullying é revidar a agressão” – isso alimentará o ciclo de violência (seja o bullying ou outras formas). 

                      – “quem faz bullying sofre violência doméstica” – isso pode ocorrer, mas não é regra e as relações violentas da sociedade (e da escola) também criam condições para a ocorrência do bullying. 

                      – “não é possível identificar o autor do cyberbullying” – atualmente há tecnologia que permite identificar os autores e puni-los (bem como seus responsáveis). 

 ↪  Identificar alunos que sejam alvos em potencial e investir na quebra de padrões de exclusão escolar (como “panelinhas”), buscando incluí-los. Atenção especial a: 

                      – Alunos com as características de alvos (acima) 

                      – Alunos novos (de outras escolas, de outro período)  

                      – Alunos que se diferenciam mais nitidamente da maioria 

 ↪  Identificar e evitar atitudes do professor (que é sempre um modelo para os alunos), como: 

                      – Apelidar alunos5

                      – Expor publicamente os alunos; 

                      – Comparar alunos e/ou turmas; 

                      – Ser inconsistente na aplicação de regras e sanções; 

                      – Exercer a autoridade docente de forma autoritária: importante buscar coerência entre discurso e atitude e mostrar-se “humano” (reconhecer erros/equívocos, p. ex.). 

↪ Utilizar toda oportunidade possível para trabalhar a inclusão e o respeito à diversidade, como por exemplo: 

           o Textos e materiais usados em aulas e/ou avaliações; 

           o Trabalhos em grupo: dar atenção especial a este tema – variar e supervisionar os agrupamentos entre os alunos: 

                       ▪ Não manter sempre as ‘panelinhas’; 

                       ▪ Conversar sobre os objetivos e desafios do trabalho em grupo com os alunos antes de propor as atividades (lembrar que trabalhar em grupo, lidar com a diversidade e exercitar o respeito mútuo são ações a serem aprendidas: todo comportamento moral e ético é aprendido e construído, não se desenvolve espontaneamente). 

 ↪  Mobilizar os próprios alunos a se incluírem e se unirem contra o bullying e outras formas de intimidação e violência escolar, incentivando as seguintes atitudes: 

           – Quatro ações eficazes em fortalecer alunos, que, com isso, estarão menos vulneráveis a se tornarem alvos e em impedir a instalação do ciclo: 

                       ▪ Incluir colegas “solitários” no recreio e na sala de aula; 

                       ▪ Combater apelidos e atitudes que humilhem e machuquem; 

                       ▪ Mostrar-se solidário ao ver um colega sofrendo alguma intimidação ou humilhação de outro colega; 

                       ▪ Valorizar coisas positivas em você e em seus colegas. 

          – Não agredir quem pratica bullying, senão começamos um novo ciclo de violência/ bullying. 

          – Cuidar dos materiais e do espaço da escola: violências ‘menores’ alimentam violências ‘maiores’. 

          – Não aceitar qualquer ação de preconceito e discriminação. 

↪ Sobre cyberbullying: orientar alunos que internet não é uma “terra sem lei” e sobre cuidados com segurança e privacidade nas redes sociais. 

↪  Ao identificar alunos envolvidos com o bullying: 

          – Ser firme na posição de não aceitação de tais práticas e promover um momento individualizado para conversar com os envolvidos (importante buscar formas para mediar a situação e não reproduzir ação meramente repressiva). 

          – Informar outros colegas (professores, coordenação, psicóloga, orientação, etc.) para todos agirem em conjunto. 

↪  Promover encontros regulares com demais colegas para articulação das ações realizadas na escola direcionadas ao enfrentamento do bullying e desenvolvimento de habilidades sócio emocionais. 

↪ Promover ações coletivas regulares visando à promoção da cultura da paz e relações de solidariedade e cooperação. 


SITES e ARTIGOS INDICADOS 

           – Safernet – muitos materiais (textos, cartilhas, vídeos, etc.) sobre responsabilidade e segurança na internet, cyberbullying, etc.: https://safernet.org.br 

           – Helpline – canal de orientação direta para alunos, professores, etc. feita por profissionais (sigilo): https://new.safernet.org.br/helpline 

           – Ministério Público de São Paulo – cartilha com orientações para identificar alunos envolvidos no bullying e estratégias para lidar com ele: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/bullying.pdf 

           – Conselho Nacional de Justiça – cartilha com orientações e reflexões sobre os fatores que influenciam o bullying:  http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/04/0d95535ddf206bc192c4e05356 e35c83.pdf 

           – Recanto das Letras – breve artigo sobre “Apelidos pejorativos: assim começa o bullying” https://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2202639 

           – Revista Ibero Americana de Estudos em Educação (Unesp) – artigo sobre bullying, cyberbullying e desenvolvimento moral: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/10036/6770


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